A propósito do Foral de 1232
Atualizado em 08/12/2020
Por carta de 22 de março de 1232, o rei D. Sancho II doa aos Hospitalários o território da “Herdade do Crato”, para sul das terras deGuidintesta, no que viria a ser o território da futura Vila, expressando os desejos de fundação e povoamento: “volumus populare ocrate”. Fica também lançada a semente do que viria a ser, mais tarde, o Priorado do Crato. À sua volta, outros territórios da Ordem do Hospital se aglomerarão, até à formação do Priorado, que virá a ser cabeça da Ordem em Portugal.
Na verdade, estas doacções, que se estenderam a todas as outras Ordens Militares, procuram consolidar o avanço do território português para sul, ao mesmo tempo que reconhecem o importante papel que desempenham nesse propósito.
Apressam-se os Hospitalários a povoar estes territórios, dando cumprimento aos desejos do monarca e, no mesmo ano de 1232, a 8 de dezembro, o prior do Hospital em Portugal, Mem (Mendo) Gonçalves, atribui ao Crato o seu foral. Passam, hoje, dessa data, 788 anos, que comemoramos de forma atípica, mas que não poderíamos deixar de assinalar: nasceu, nesse dia, enquanto tal, a Vila de “O Crato” (Ocrate/Ucrate). Aí se consagram os direitos e os deveres dos moradores, tanto escritos como consuetudinários (foros et costumes), assim como todas as questões regulatórias da vida civil e mercantil, e ainda os deveres quanto à guerra e ao apoio a prestar. Seguindo a linguagem própria deste tipo de documentos, enquadra-se na tipologia Ávila – Évora.
Pese embora nada se diga explicitamente no texto do documento, é revelador que ostente a data de 8 de dezembro, data da festa litúrgica da Imaculada Conceição, que tanta devoção semeia na população do Crato. Naturalmente, podemos supor que esta data, liturgicamente relevante, não foi escolhida por acaso, tanto mais se nos reportarmos à circunstância da época e à mentalidade própria do homem medieval. Ademais, a Imaculada Conceição (cujo dogma só virá a ser definido muito mais tarde, em 1854 – por razões teológicas que não cabe aqui descrever – pela bula Ineffabilis Deus, numa solene declaração ex cathedra do papa Pio IX), ocupou desde muito cedo uma especial devoção entre os cristãos.
Não é, pois, por acaso, que é o orago da Igreja Matriz e a Padroeira do Crato, como também de Portugal, a partir de 1646, em virtude da proclamação do rei D. João IV, em Vila Viçosa. Na Igreja Matriz (cuja construção, aliás, deve ter começado pouco depois de 1232, como parece depreender-se da lápide tumular presentemente embutida por cima de um dos arcos da nave e que ostenta a data de 1248), encontra-se a belíssima imagem barroca que tanta devoção desperta às gentes do Crato (na verdade, são três as imagens com esta invocação, pertença da Matriz, e que bem espalham a importância do orago, todas de boa talha: uma no Altar-Mor, outra num altar lateral, mas conhecida por outra invocação e uma outra ainda, de seiscentos, e que se encontra actualmente no Museu Municipal). Estes dois acontecimentos, interligados pela História e pela Devoção, marcam indelevelmente a alma Cratense. Aqui ficam, pois, a homenagem e a comemoração devidas.